Quando, todas as manhãs, nos arrumamos para ir trabalhar ou estudar, automaticamente colocamos nossa roupa e nem imaginamos que esse ritual acontece há milhares de anos. Falar em milhares de anos não é exagero, já que na China, há 3.200 anos, as calças mais velhas do mundo eram colocadas da mesma forma, sabia?
Com certeza algumas perguntas devem ter surgido na sua cabeça, como “do que é feita a calça mais velha do mundo?” e “para qual finalidade ela foi pensada?”. Os pesquisadores da Archaeological Research in Asia, encontraram, próximo à cidade chinesa de Turfan, o que parece ser o primeiro modelo de calças usadas pela humanidade.
Ao que tudo indica, a peça foi vestida por alguém cuja profissão exigia a montaria de cavalos — esse pode parecer um detalhe bobo, mas não é, pois quando uma calça é utilizada para esse fim, ela precisa ser flexível o suficiente para o cavaleiro poder jogar a perna sobre o animal sem rasgar a vestimenta e, depois de montado, não se sentir apertado. Além disso, também são necessários reforços em áreas de muito atrito, como a região dos joelhos.
Não é à toa que tivemos a sorte de encontrar essa peça no oásis de Turfan. Nesse lugar, existem diversos túmulos antigos e a região é desértica, o que favorece muito a conservação de múmias e outros artefatos, já que o clima seco é conhecido por dificultar os processos naturais de decomposição.
Com a ajuda de um tecelão, os pesquisadores chegaram à conclusão de que os antigos artesãos que fizeram a calça recorreram a três diferentes técnicas, sendo que todas elas utilizavam alguma espécie de tear.
A primeira técnica era aplicada em pontos nevrálgicos da roupa, com um especial cuidado nas regiões das articulações e na área entre as virilhas. Nesses pontos, buscava-se mais elasticidade para que a calça não rasgasse durante o uso.
A segunda, comum na tapeçaria, foi aplicada nos joelhos para proteger essa região de possíveis quedas, mesmo que o preço a se pagar por isso tenha sido a perda de um pouco de elasticidade. Por fim, a terceira técnica era usada no cós, para deixá-lo reforçado e para manter a roupa no lugar mais confortável e socialmente adequado.
O tecido da calça também não nos é estranho, pois os arqueólogos descobriram que o material utilizado foi a sarja, muito comum nos jeans de hoje em dia, mas que, naquela época, era um material bastante raro.
Quando você lê sobre essas técnicas antigas pode pensar que a calça era apenas funcional e, consequentemente, feia, não é mesmo? Que nada! A peça era muito elegante, até mesmo porque o tecelão trabalhava com diversas cores de fios para criar listras marrons com fundos esbranquiçados. Também havia detalhes de listras em ziguezague nas panturrilhas e tornozelos.
Outra característica surpreendente foram os padrões aplicados na roupa. Isso porque os desenhos em forma de “T” que aparecem na descoberta em Turfan são muito similares àqueles utilizados em cerâmicas da Sibéria Ocidental. Só que essas duas regiões são separadas por mais de 3 mil quilômetros, o que indicaria que a China dessa época teria um considerável intercâmbio cultural com outras regiões da Ásia.
Esses intercâmbios culturais também podem ser percebidos em outros detalhes. A técnica de tapeçaria aplicada nos joelhos tem sua origem ligada ao sudoeste asiático, a sarja (que até hoje usamos devido à sua flexibilidade) deve ter surgido no noroeste da Ásia — curiosamente onde hoje é a Áustria, nesse mesmo período se utilizava o tecido, mas a descoberta dos seus usos parece ter sido independente.
Ali em cima falamos do ziguezague nos tornozelos e panturrilhas, lembra? Para os pesquisadores, esses padrões se assemelham à forma de pirâmides de degraus, o que os fez supor que os artesãos teriam entrado em contato com a cultura mesopotâmica e decidiram incluir o zigurate como um dos motivos em seus requintados tecidos.
O mais bacana dessa história é que, com ela, podemos perceber como um item comum hoje em dia foi fruto de uma incrível combinação de culturas e técnicas separadas por milhares de quilômetros. E isso só foi possível graças à localização de Turfan, porque o povo que habitava a região era conhecido por conduzir rebanhos de gado pelas estepes, cobrindo grandes distâncias. Tal atividade comercial favoreceu o surgimento de um pólo de convergência de muitas rotas de pastoreio da Eurásia, que viriam a desembocar na famosa rota da seda — mas daí já é assunto para outro post…
Viu só como há muita história por trás de uma simples peça de roupa? Para conferir mais publicações sobre Cultura, Entretenimento, Educação e Tecnologia, acesse o nosso blog!